sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O calcanhar de Aquiles de Sócrates

Artigo publicado originalmente no portal Quattro Tratti


Não são muitos os jogadores que conseguem ser eleitos como unanimidade quando se escolhem os 11 integrantes do melhor time de todos os tempos de um grande clube. Ele foi o único. Tampouco é fácil ser novamente unanimidade em um pleito que elege os dez maiores ídolos da história deste time. Ele, mais uma vez, foi o único. Também não é fácil estar entre os 125 maiores jogadores de futebol da história ainda vivos. Ele está. Campeão, ídolo e craque incontestável, Sócrates tem apenas uma frustração: sua passagem pela Fiorentina.


Destaque de um Corinthians multicampeão e um dos líderes do primeiro - e até hoje único - movimento social liderado e mantido por jogadores dentro e fora dos gramados, a Democracia Corinthiana, o Magrão, como era conhecido, jamais repetiu na Itália a genialidade que o consagrou com as camisas do Timão e da Seleção. Sócrates sofreu com diversos problemas - frutos de seu temperamento diferenciado ou não - e não foi, na Fiorentina, nem sombra do jogador que brilhou pelo Corinthians. Especulações não faltam para tentar explicar o insucesso, mas poucas são aquelas que realmente justificam a passagem tão apagada do meia pela viola.

Sócrates com a camisa da Viola. Foto: Site oficial Fiorentina


Os sucessos nos tempos de Corinthians e a classe com a qual se apresentou no Mundial de 1982, quando o Brasil caiu diante da Itália de Paolo Rossi, fizeram de Sócrates um objeto de desejo no Velho Continente. Bom para a Fiorentina, que em 1984 conseguiu levar o jogador para atuar no Artemio Franchi. O sonho da equipe de Florença era ter o mesmo sucesso que a Roma, que brilhava sob o comando de Falcão, parceiro do ex-corinthiano e também um dos responsáveis por encantar o mundo com a seleção de Telê em 82. O plano, porém, não saiu do papel e se tornou em uma das grandes frustrações da história viola - e também da carreira do Doutor.

A temporada de 1984-85 não foi nada boa para a Fiorentina. O time ficou apenas com a nona colocação do Italiano, sem chance alguma, ao longo de todo o campeonato, de sequer encostar nos líderes e entrar na briga pelo scudetto. O futebol longe do ideal apresentado pelos gigliatti também foi notado em Sócrates, que por não repetir as grandes atuações que o consagraram no Brasil, terminou o ano apontado como o grande culpado pela campanha pífia de seu time. Foi o estopim para que o Magrão deixasse a Itália e voltasse ao Brasil - onde, mesmo jogando em grandes times, nunca mais voltou a repetir o sucesso dos tempos de Corinthians.



Sócrates durante Copa do Mundo de 1982, quando Brasil acabou eliminado pela Itália de Paolo Rossi. Foto: Site oficial CBF


O caminho até sua saída, no entanto, não foi nada curto, apesar de ter durado apenas um ano. O problema começou ainda no Brasil. Sempre foi sabido que Sócrates odiava concentrações, treinos físicos e todas as atribuições cotidianas da vida de um atleta. Era visto fumando e bebendo com frequência, principalmente nos tempos em que, líder da Democracia, foi um dos responsáveis por acabar com concentrações no Corinthians. Na Fiorentina, porém, nada disso deixava de ser feito para satisfazer as vontades de qualquer jogador. Resultado disso foi uma dificuldade imensa para que o Magrão voltasse a se adaptar às tarefas que não estava mais acostumado a realizar.

A insatisfação com os treinamentos puxados que aconteciam em Florença e com o regime muito menos liberal imposto pela Fiorentina, porém, eram apenas a ponta do iceberg. Mais para baixo estavam dois problemas um tanto quanto maiores que Sócrates enfrentou e que, para muitos, foram os grandes responsáveis por seu fracasso na Itália.

Em primeiro lugar estava um imbróglio que o próprio Doutor criara: assim como outros tantos craques, o meio-campista era adepto assíduo da noite italiana. Sua presença em festas era semanal - quando não diária - e atrapalhou muito seu rendimento dentro dos campos. Não só pelo desgaste natural que esses eventos proporcionam, mas também pela perseguição da imprensa local, que aumentava a cada jogo ruim - ou até mesmo não tão bom - que o jogador realizava.

No Brasil, camisa 8 foi ídolo do Corinthians durante décadas de 1970 e 1980. Foto: Arquivo O Estado de S. Paulo

Somada às baladas e à perseguição da imprensa estava um suposto relacionamento ruim com o restante da equipe. Nunca confirmado oficialmente, o mal estar entre Sócrates e seus companheiros teria começado quando o Doutor teria dado a entender que desconfiava que alguns de seus colegas estariam envolvidos em um novo escândalo como o Totonero, acontecido em 1980. Um ano após a saída do meio-campista da Fiorentina, em 1986, seria revelado mais um escândalo deste tipo, mas sem nenhum jogador ou dirigente da viola envolvidos. O fato é que a antipatia de seus companheiros - talvez não só pelas suspeitas em questão - fizeram com que o Magrão ficasse sozinho em Florença. Passou, então, a deixar o futebol de lado e aproveitou a oportunidade para se aprofundar na história da arte, realizando cursos durante sua estadia na cidade.

Batizado com o nome de um dos mais famosos filósofos gregos, Sócrates viveu na Itália uma pequena tragédia helênica. O meia teve em sua passagem pela Fiorentina a imagem perfeita de uma das mais famosas histórias gregas: a viola foi para Sócrates o que foi o calcanhar para Aquiles na mitologia.

TV Bandeirantes relatou vida de jogador durante estadia em Florença:



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